11.12.06

– Que horas são?
– Dez e trinta e cinco.
– Sim, é isso. Vou desligar, então. Boa noite.
– Boa noite.

*
–Pronto?
– Quem fala?
– Sou eu, não reconhece minha voz?
– Não. Estranho, parece que não te ouço há muito tempo.
– Você é engraçada.
– Por que?
– Deixa. O que você quer agora?
– Agora? Bem, te liguei porque... Não sei. Acho que senti saudades. Há quanto tempo não nos vemos?
– Não posso dizer.
– Por que não? Você quer que eu desligue, é isso?
– Não, não é. Não posso dizer... o que eu teria para te dizer?
– Talvez responder a minha pergunta.
– E qual foi? Há quanto tempo nos falamos?
– Não, não foi isso, acho.
– Sim, não foi. Enfim, o que você quer agora?


– Vou desligar, desculpe o incômodo.
– Não foi incômodo. Simplesmente eu não consigo...
– O que?
– Me lembrar.
– Tudo bem. Que horas são?
– Dez e quarenta.
– Sim, vou desligar então. Boa noite.
– Boa noite.

*
– Alô?
– Lembrei.
– O que?
– E se todos perdessem o medo de esquecer?
– Esquecer o que?
– Esquecer tudo.
– Por que você me perguntou isso?
– Você, há tempos, acho, você me fez uma pergunta.
– Há tempos? Estranho...
– O que é estranho?
– Quantas horas são?
– Ah, desculpe querida, desculpe. Isso é realmente estranho.
– O que?
– São quinze para meia noite. Eu entendo que você ache estranho. Desculpe.
– Desculpá-lo? Não, não foi isso que achei estranho.
– Não?
– Não. Não sei... tenho a impressão de que nos falamos agora...
– Agora?
– Há poucos minutos.
– Quando?
– Não me lembro. Você me ligou agora... o que foi que te perguntei há tempos?
– Não me lembro. Só sei que me fez pensar isso.
– Isso o que?
– Esqueça. Vamos dormir.
– Tudo bem, boa noite.
– Sinto saudades.
– Eu também. Boa noite.

*

“Querido, escrevo angustiada. Creio que algo muito estranho está me acontecendo. E acho que também ocorre o mesmo com outros. O que me ocorrerá em breve? Escrever agora é um modo de resistência. Mas sinto que logo não serei mais capaz de realizá-lo. Não posso te contar o que houve. Me sinto estranha, não consigo saber de nada. Se eu me lembrar te ligarei mais tarde. Se você se lembrar, me ligue à noite, por favor.Obrigada.”

*
– Pronto?
– À tarde encontrei um homem...
– Quem?
– Era barbudo, cabelos claros, magro, alto.
– Quem era?
– Não importa. Ele me parou às 13 horas. Sei porque havia um relógio digital do outro lado da rua.
– O que houve? Por que aquele bilhete?
– Qual bilhete?
– Meu Deus!? Qual bilhete?!
– É, qual?
– Encontrei um bilhete na porta da minha casa hoje, achei que fosse sua letra.
– Espere, não me interrompa! Preciso falar daquele homem.
– Por que?
– Não sei porque. Ele me parou na rua, disse algo que não entendi, então eu me virei e:
eu –Perdão?
ele – Desculpe, acho que me enganei de pessoa. Achei você parecida com uma amiga. Como você se chama?
eu – Sinto muito, estou com pressa.
– O que de mais há nesse diálogo?
– Eu não me lembrei.
– Do que?
– Não sei, o rosto dele não era absolutamente estranho. Você vê, eu inclusive o descrevi, não foi mesmo?
– Genericamente.
– Como o descrevi?
– Ora, eu não me lembro. Aliás, não estou conseguindo acompanhar mais nada. Ando muito cansado.

– Você se chateou de não se lembrar do homem? Foi isso?
– Não. Acho que depois me lembrei dele. Do rosto. E do cheiro. Bom, porque você está cansado?
– Tive um dia difícil, andei o dia todo para muitos lugares.
– Onde você foi?
– Ah, não vale a pena contar. Contas, pagamentos, compras, consertos, bobagns necessárias...
– Para perdermos tempo...
– Ou a memória. Amanhã nos falamos, tudo bem? Então você me fala mais sobre o homem.
– O que estava escrito no bilhete?
– Qual?
– O que você encontrou na sua casa.
– Deixa, já é tarde. Boa noite.
– Boa noite.

*

– Alô... o que foi?
– Você me disse que encontrou um homem ontem...
– Hoje, encontrei hoje.
– É, estou confuso, já é tarde.
– Sim, mas e daí?
– Estranho, tive a impressão de ter te visto hoje. Mas quando cheguei perto, não era você.
– E daí?
– Não sei... precisamos nos ver.
– Agora?– Não, não agora. Quando você puder.
– Ai... desculpe... ando tão ocupada...
– Eu também. Bom, vamos dormir.
– Vamos.
– Queria saber uma coisa.
– Pode perguntar.
– Você se lembra de mim?
– Querido, também sinto saudades. Vamos dormir agora, boa noite.

*

– Porque o telefone estava ocupado?
– Minha irmã. Acabou de me ligar.
– Ela está bem?
– Reclamou que eu não ligo.
– E você liga?
– Não. Na verdade só falo com você, atualmente.
– Como estão as coisas hoje?
– Melhores. Dormi bem.
– Curioso. Eu também me sinto bem hoje.
– Que bom. O que você queria me dizer com aquele bilhete que deixou aqui na portaria?
– Qual?
– Não foi você?
– Como é o bilhete?
– “O que acontecerá conosco quando esquecermos tudo?”
Não foi você que escreveu?
– Não.
– Você está mentindo. Vi pela janela quando você entrou no prédio. Vi também quando saiu.
– É verdade. Eu estive aí hoje.
– E porque não entrou?
– Que horas eram?
– Não sei. À tarde. Eu gritei seu nome, mas acho que você não escutou.
– Não, provavelmente. Não me lembro de ter escutado meu nome.
– E porque esse bilhete?
– O que estava escrito?
– “O que acontecerá conosco quando esquecermos tudo?”
– Tem a minha letra?
– Sim.
– Então fui eu que escrevi. Vem aqui em casa por favor?
– Você sabe que não posso.
– Por favor.
– Estou indo, mas não vou demorar.

*

– Onde você está?
– No trânsito.
– No ônibus?
– Não, peguei um táxi.
– Que demora!
– O taxista não sabe chegar.
– São quase duas da manhã. Você disse “trânsito”?
– Não sei o que está acontecendo. Acho que as pessoas estão voltando pra casa.
– Ou esqueceram de como se volta. Bem, você está longe?
– Não sei, estou perdida, estou com sono.
– Como vai fazer?
– Olha, estou irritada, não queria ter saído de casa. O que estou fazendo aqui? Amanhã tenho que trabalhar. Ainda não estou muito longe, vou voltar.
– Me liga quando chegar em casa.

*

–Porque você não ligou ontem?
– Você está irritado? Desculpe, querido! Juro que não foi por mal. Porque eu deveria ter te ligado?
– Não sei! Mas você sempre liga! Não sei. Você não vinha aqui em casa?
– Nós combinamos?
– Acho que sim.
– Me dá seu endereço que vou no final de semana.
– Meu endereço?
– É.
– Para quê? Você sabe chegar aqui.
– Mas não sei o endereço...
– É por isso que ontem...
– O que?
– Bem, você...

– Deixa pra lá.


– Que dia é hoje?
– Sexta. Amanhã. Amanhã vou ficar em casa o dia todo.
– Vou te visitar então.
– Quer o endereço?
– Pode deixar eu tenho.
– Você parece preocupado...
– Talvez seja cansaço, ou saudade.

*

– Pronto?
– Porque você não veio ainda?
– Imprevistos.
– Como?
– Pessoas vieram me ver.
– Quais?
– Acho que estou doente.
– O que você tem?
– Não consigo me lembrar das coisas.
– Se você percebe isso, talvez não esteja doente.
– E você? Você se lembra?
– Do que?
– Das coisas.
– Quais coisas? Claro que me lembro!
– Então me conte uma lembrança.
– De quando?
– Qualquer data, não importa. Mas conte, conte algo, um relato. Por favor.
– Um dia...

– Encontrei na rua dois amigos nossos. Você não estava comigo. Era perto da sua casa.


– E então?
– Não consigo saber. Era um casal de amigos nosso. Talvez... Não, não eram eles. Ela, Omo ela era? Acho que era ruiva. Acho que estava de vestido lilás. E ele vestia um paletó azul piscina. Depois nos encontramos com você. Lembra?
– Não.
– Nós nos encontramos na rua e fomos te fazer uma visita.
– Quando foi isso?
– Nós chegamos e achamos que você estava brincando conosco. Ou estava drogado.
– Por que?
– Você não nos reconheceu.
– Já não nos víamos há muito tempo?
– Não sei, não me lembro.
– Também não. Quando foi isso?

– Quando?
– Hoje à tarde.

*

– Alô?
– Você, quando veio aqui a última vez?
– Não sei. Semana passada?
– Senti seu cheiro na minha blusa de frio. Não pode ter sido semana passada. Retirei as roupas do varal ontem.
– Talvez você use o mesmo amaciante que eu.
– Não. Era seu cheiro. Tenho certeza.
– Por que?
– Porque senti amarelo em tudo. E uma dor, uma dor fria no meio da barriga.
– E isso é o meu cheiro?
– Não. É a memória que seu cheiro me traz.
– Qual memória?
– De termos nos esquecido.

*

– Pronto?
– Alô!
– Sim.
– De que número fala?
– Com quem você quer falar?
– Desculpe, vi seu número na minha bina, não o reconheci. Esperava reconhecer a voz.
– E reconheceu?
– Não. Deve ter havido um engano, desculpe.
– Eu também não me recordo da sua voz. E, para ser sincero, não me lembro de ter usado o telefone hoje. Que horas são?
– Dez e trinta e cinco.
– Sim, é isso. Vou desligar então. Boa noite.
– Boa noite.

Alice Bicalho.

6 comentários:

Anônimo disse...

horrorizei!!!
me abstenho de palavras...
=))

Anônimo disse...

ai. eu quero abraço.

menina disse...

ui! q tudô!
arrazou, meo bem!
bem agora, às 23:43h. =]

Anônimo disse...

uau! :-)

paula r. disse...

eu tô é esperando os textos enviados para o oh g suis, para que eu possa exercer as minhas funções de juíza. rá!

madá disse...

lindo.
eu tipo me apaixonei por alice.