29.7.06

Tradução de Soft and Hard de Jean Luc Godard

Ainda procurávamos o caminho em direção
ao nosso discurso...

Ainda era a época dos massacres diários em Beirute.

E já era a época dos gloriosos vôos a Marte e Vênus.

Era o tempo do triunfo da televisão privada...

e do incrível sucesso do dólar...

a época do enterro das árvores na Floresta Negra....

e da primeira derrota de McEnroe.

A época dos computadores de quinta geração...

... e da fome na África.

Mais que nunca, foi a época em que
todas as águas do oceano...

...não puderam lavar as manchas
de sangue dos intelectuais.

Foi também o tempo da penúltima
sessão de análise.

E da última sessão de cinema.

Na verdade, não procurávamos mais...

o caminho do nosso discurso...

...porque se falava menos...
e mais tranquilamente...

Não faltavam temas para as conversas.

Ou melhor...sim...

O que não faltava eram objetos...

Objetos de massa. Cada qual com seu próprio nome....

Massas e massas de nomes...

Mas os temas, verdadeiros ou falsos,
haviam desaparecido....

Nada que tenha sido sobre ou sob eles...

... eles tinham perdido todo o contato com o mundo.

Sua inteligência era perfeitamente lúcida.

Dobrada sobre si mesma, é verdade,
com uma intensidade atroz, mas lúcida...

Não... era sua alma que estava louca...

Tudo pertencia a ele,
mas isso era só um detalhe.

O importante era descobrir a quem
ele pertencia....

Quantos poderes tenebrosos estariam
no direito de reivindicá-lo?

Uma carta chega a uma família.
Ela foi escrita por um filho que é pensionista.

O pai abre a carta, a lê, e, enraivecido,
a joga sobre a mesa dizendo:

“Se esta é a maneira como ele pede,
não há qualquer chance de que eu o envie dinheiro.”

A mãe, inquieta, o pergunta:
“Meu Deus, o que foi que ele escreveu?”

E o pai lê a carta num tom sério:

“Querido pai, estou quebrado.

Por favor me mande imediatamente algum dinheiro.
Seu filho.”

A mãe pega a carta, a lê, e balança a cabeça:

“Eu não vejo nada de errado com esta carta.
Ela é justa.”

E ela a lê num tom afetuoso:

“Querido pai, estou quebrado.
Por favor me mande imediatamente algum dinheiro.
Seu filho.”

“Claro, é outra coisa”, diz então o pai.

Por que nunca falamos sobre a fábrica
Dizer: “usina”, dizer: “esse lugar”.

Nada além disso. Somente “fábrica”
Somente isso.

Estou pensando num lugar louco.

Louco no sentido mais estrito do mundo, ou seja:
Um lugar sem quaisquer limites.

Um lugar infinito.

Como se pode estar lá?

E quando se está, o que acontece depois?

Será que é possível dizer isso sem que as palavras
acabem,como sempre, por distorcer a coisa?

Será que é possível dizer isso,
para um fato tão bem estabelecido?

“A fábrica”. Imutável, eterna...fatal.

Um lugar fictício, um espaço irreal...

concebido por uma atividade vã e sublime

que testemunha toda a atividade humana,
e a sua própria.

Talvez o que eu possa dizer,
É que quando você nesse lugar...

...quando você aí está de fato,
é muito difícil falar qualquer coisa sobre ele

Porque é um lugar vazio, e sufocante,
ao mesmo tempo...

E morto, absolutamente morto

Aparentemente vivo, mas morto...

Evidentemente um lugar de mentira, por que
dizemos que vivemos e morremos nele...

“Olá, estou trabalhando...
Estão à procura do desconhecido...”

Penso que esta é a única coisa
que você pode fazer em uma fábrica

Você pode olhar...olhar...olhar...

Talvez tudo o que se pode fazer é olhar

Em sonho, diferentes diretores participam

Um mistura ação e visão,
outro as opõe.

Para o primeiro, o sujeito e as coisas
são idênticos.

Para o outro, são apenas objetos.

Um dissolve o olhar
entre os fenômenos,

o outro captura os fenômenos.

Um olha com os olhos fechados,

o outro com os olhos abertos.

De um lado, um monólogo interior,

De outro, um diálogo.

Os sonhos do norte são mais pálidos
e mais violentos

porque eles fazem explodir as imagens.

Mas é verdade que quanto às imagens...

...uma meia volta em direção ao sul,
é mais importante que um movimento em direção ao norte

Então, porque faço imagens,
ao invés de fazer crianças...

...isso me impede de ser um ser humano?

Quando, oh quando...?

Quando a criação existiu livre da forma?
Quando?

Oh, quando tivemos seu destino?

Ela foi... e foi sem sonho,
nem acordada, nem adormecida.

Foi apenas um instante, uma canção, uma única
voz...

...impossível de evocar

Um sorriso que chama

Uma vez, houve uma criança.

Um dia, houve a criação.

Um dia ela será um milagre livre do acaso.

O desespero da arte...
era sobre isso que eu falava

O desespero da arte e sua tentativa
desesperada de criar o perene...

...através do perecível

Com palavras, sons, pedras, cores...

De maneira que o espaço, tornado forma,
possa perdurar além do tempo.

Arte impiedosa.

Que tarefa!

Arte impiedosa, sem qualquer misericórdia com
a dor humana que não é nada para ela.

Nada a não ser uma existência transitória
um mero acessório...

...que não vale mais do que as palavras,
os minerais, os sons...

...e como eles, útil somente na busca
e na descoberta da beleza.

A descoberta da beleza...
numa repetição constante.

Numa repetição constante.

A beleza se revela assim ao homem...
...como a crueldade...?

Como a crueldade... crueldade crescente.

A beleza se revela como crueldade,
a crueldade crescente dos jogos sem regra...

...que prometem a chave
do prazer infinito.

Um prazer voraz...
desdenhoso do conhecimento...

Prazer de um fictício infinito interesse...
que pode, sem hesitar, infligir a dor e a morte

e mais...que pode, sem hesitar
infligir a dor e a morte...

... já que tudo isso de passa no reino da beleza...

...na periferia – a distante periferia.

A distante periferia
só acessível ao olhar

Só acessível ao olhar, e...

e por ele acessível na duração terrestre...

mas inacessível à humanidade,
às tarefas humanas.

Então, a beleza se revela ao homem
como uma lei.

Mas uma lei estranha ao conhecimento

Uma estranha lei que revela a ruína da beleza,
que impõe si mesma como uma lei...
...pelo seu próprio amor

A ruína da beleza que se impõe
como uma lei pelo seu próprio amor

confinada em si mesma, incapaz de se renovar,
de se ampliar, de se desenvolver...

Este é o jogo da beleza
regulado pelo prazer...

voraz, voluptuoso, libidinoso, imutável.

Este jogo, impregnado da beleza,
impregnando tudo com a beleza...

...toma como único fim
a beleza jogando consigo mesma.

Então, este jogo, impregnado da beleza,
impregnando tudo com a beleza...

...tomando como fim a beleza
em jogo consigo mesma

Este jogo se desenrola no limiar
do real...

passando pelo tempo
sem aniquilá-lo...

...jogando com o acaso
sem dominá-lo.

Repetitivo, infinitamente prolongado,
ainda avançando em direção ao seu fim.

Porque só a humanidade é divina.

E assim, a intoxicação da beleza
se revela ao homem...

A intoxicação da beleza se revela
ao homem como um jogo desde já perdido.

Perdido...

Era um imenso, infinito espaço
se estendendo em infinitas direções.

Um espaço onde as frases não
se sucedem umas às outras...

...mas se entretecem em infinitas interações.

Não havia mais frases,
mas dons do inexprimível.

Dons da vida, dons da criação...

...abraçando o mundo, concebido
por uma consciência anterior.

Uma paisagem inexprimível.
com elementos inexprimíveis.

O mundo do destino, abandonado pela criação...

onde o mundo da criação
se deita como um acidente.

Talvez seja esta a diferença entre
eu e você olhando a imagem.

O que eu realmente admiro nela é sua inacessibilidade.

Mas, isso é precisamente o que te incomoda.

O exemplo da galinha que você
mencionou há pouco...

...precisamente porque ele não é...quer dizer,
ele não tem que ser espetacular.

Ele não tem que ser mostrado, e se isso
é o que te incomoda, então talvez...

Por que se deve mostrar as coisas?

Alguém poderia dizer “a TV me incomoda
porque ela não mostra as coisas”

Então, talvez, você deveria gostar dela
porque ela não mostra...

Não é isso. A televisão nunca mostra as coisas,
mas te faz pensar...

...que não pára de mostrá-las.
E isso é o que mostrar as coisas significa.

E não há outra maneira
de mostrá-las.

Elas não deveriam ser mostradas.

Sim, mas a TV é profundamente desonesta.

Ela justifica sua própria “boa consciência”

...convencendo a si mesma de que
o que ela faz é mostrar...

...e que mostrar é isso, é dessa forma que se faz.

- Eu acho que ela sabe disso.
- É mesmo?

Eu penso que algumas imagens são inacessíveis
e não podem ser mostradas.

Por exemplo, as relações
amorosas...

Cenas de amor...

Uma vez que você vai além
do beijo de cinema de Hollywood...

...você não sabe como ou o que mostrar.

Você pode apenas mostrar outras imagens
de algo em processo.

Se você voltar à imagem
da galinha e do ovo...

se você realmente quer mostrar
uma imagem do ovo...

talvez você pode pensar que enquanto
o ovo está aparentemente parado

Todo tipo de coisas invisíveis
estão acontecendo dentro dele.

Então, esse tipo de conversa
entre várias pessoas...

...é equivalente ao silêncio?

Do tipo que ocorre na análise?

Não.

Ou a troca entre duas pessoas?

Não.

Vai-se mais fundo na análise?

Sim.

Então, agora, nós quase entendemos os efeitos
da análise interior e exterior

Talvez eu faça a interior,
enquanto você faz a análise exterior.

Ou talvez não. Não devemos forçar isso.

Não, não devemos. Mas porque você
queria à análise interior?

Porque para fazer uma análise exterior
da televisão, por exemplo...

... não estamos à altura...

Mas ainda há uma necessidade para as pessoas
que vão fundo nas análises interiores...

O que você quer dizer com não estamos à altura?

Não só não estamos
Como afundamos…

Porque não temos o peso necessário
para flutuar.

Tudo bem, mas você continua…

Você continua a poder fazer seu trabalho...

mesmo se os meios que você usa
nem sempre se adequem ao que você gostaria...

É sempre eu quem diz isso.
E quanto a você?

Sim, mas estou falando sobre você agora.

Eu ainda estou falando de “não estarmos à altura”

Quando você faz um filme
ele não passa desapercebido.

Sim, mas pelas razões erradas.

É precisamente onde você pode interferir.

Pelas razões erradas, em relação às quais eu
talvez possa fazer algo, mas apenas parcialmente.

Talvez algumas coisas precisam ser mudadas.

Não no produto em si, mas na maneira
como você concorda em distribuí-lo.

A maneira como você acompanha sua distribuição.

É aí que você poderia mudar as coisas...
Eu não tenho certeza...

- Mas, eu te interrompi.
- Não, não...

Eu acho que foi você quem me disse...

Quando estou me queixando de
Nathalie Baye ou Johnny Hallyday em Detetive...

…ou sobre Marushka em Carmen…

...você me disse que dada sua situação

...seja como estrelas ou desconhecidos...

…ou Mirian em Je vous salue Marie…

estrela ou desconhecido... dá na mesma.

Talvez eles todos sejam as verdadeiras estrelas.

De todo modo, você disse: “você pode
estar absolutamente certo sobre os atores...

“mas você mesmo não é capaz de...

“você não oferece a eles mais do que
um diálogo para trabalhar...

“ou você retorna
à moda antiga...

“principalmente nas cenas de amor
entre os casais.”

Assim, eu deveria refazê-las. Mas, como eu não posso,
eu tenho que fazer mudanças internas.

Ou na minha vida.

Mudar minha vida também.

Mas você pode simplesmente mudar sua vida
e continuar?

Você, por exemplo, quando você tem que
fazer uma escolha, eu tento te dizer...

quer dizer, quando você diz que está receosa,
ou que não sabe como...

...até quando é algo simples
como tirar uma foto...

...eu digo a você que Eisenstein
não fazia melhor ou pior do que isso...

Quando ele trabalhava, ele não se via
como o gênio que é considerado hoje.

Se ele fazia melhor ou pior
do que você é irrelevante.

Eu mencionei Eisenstein para agradar você,
mas poderia ser qualquer outra pessoa.

Se eu estivesse comparando seu trabalho
com o de um diretor desconhecido...

isso não significa que ele é pior,
de forma alguma...

Quer dizer, você pode fazer!

mas, algo em você
te faz sentir que não pode.

Por outro lado, você,
através de sua própria análise...

...você tenta melhorar um pouco o diálogo
que eu não fiz tão bem.

Há momentos em que, como qualquer um,
nós todos fazemos um pouco melhor ou pior.

Embora não fiquemos felizes com isso.

Agora, eu só posso entender as coisas totalmente
quando eu as vejo.

É por isso que eu estou tão intrigado
com essa estória da análise...

...com as descobertas de Freud, se preferir,
com a ciência de Einstein.

Então, quando você diz que entende as coisas
totalmente quando as vê...

Vamos voltar ao exemplo que
você deu há pouco.

O diálogo que você não poderia escrever,
ou melhor, não poderia escrever bem...

...como as cenas de amor em
um filme como Detective...

...entre Nathalie Baye e
Calude Brasseur como um casal...

...ou Nathalie Baye e Johnny Hallyday
como o outro casal na estória...

Então, quando você diz que entende o que há
De errado com as coisas quando as vê.

Mas, nesse caso você pode ver
o resultado final.

Só porque você explicitou isso pra mim,
você me fez ouvir isso.

É difícil para um escritor ouvir seu próprio texto
como se fosse de outra pessoa...

Nesse caso você me faz olhar para
o meu texto como se fosse de outra pessoa

Então eu me digo, não, não é melhor
que Alan Parker

Talvez um pouco, mas não muito...

Então, eu consigo ver isso... eu consigo escutar...

Como um teórico... como Einstein, que mostra
uma estrela em algum lugar...e aí se faz uma experiência...

E ele diz, “olhem nesta direção e vocês
verão a estrela”... e eles vêem a estrela...

Às vezes 50 anos depois.

Eu tenho a impressão, na verdade, que
vemos sem ver e que escutamos sem escutar....

Porque é nossa própria voz....

Mas será que isso não impede alguma coisa
depois, e então não há...?

Você quer dizer não impede alguma coisa
no sentido...

Por exemplo, quando pensamos nas cartas
trocadas entre Rilke e Lou...

Você acha que pode haver um impedimento
neste sentido?

Sim, no caso, se eu fosse Rilke e
eu disesse a Lou:

“ Eu gostaria que você tentasse
escrever um poema...”

“Para que eu possa ver o que
você pode fazer como um poeta”

Ela diria:
“Não, certamente não é possível”

Mas isso teria ajudado Rilke a ver...


“Tudo bem, então eu posso fazer mas ela não.
Não há um crime nisso...”

“Os patos fazem tal coisa,
outros pássaros fazem outra coisa...”

É por isso que eu sou puxado pela idéia...

do cinema que fariam as pessoas
que não vão ao cinema

e tenho a impressão que, de qualquer forma,
sinceros como são, eles se fazem um cinema

O filme é uma imagem muito cômoda
daquilo que acontece...

Muito rude, muito primitiva...

Com a arte da vida...

...ou uma lembrança da vida, um projeto de vida...

Sim, há estas duas e talvez muitas outras
alternativas além destas...

Mas eu não acho uma seja melhor que a outra,
de um ponto de vista estético ou moral...

Uma fantasmagoria de migalhas!

O que te inquieta? Se eu soubesse
o que te inquieta eu poderia ...

...eu me diria... eu coloco uma questão
em relação à Tv...

Se eu conseguisse sentir...

seja o que você não pode fazer ou...
...o que você não quer fazer....

Mas eu não consigo...

Em certos momentos eu sinto que
o que pode haver de original na maneira....

...que eu vejo as coisas ou na maneira
que eu quero contá-las, ou mostrá-las...

... eu tenho impressão que essa originalidade
é efetivamente uma coisa muito frágil.

Quando o cinema não é para mim...

...essa coisa tão poderosa e tão única
que é para você...

... para você é isso e nada mais...

Pra mim é algo muito mais frágil, e eu tenho impressão
que todas as coisas exteriores....

como figurino, apresentação do roteiro,
meios de conseguir dinheiro...

tudo isso, eu sei que me equivoco sobre estas coisas
mas eu tenho tentado aprender, lentamente...

eu tenho impressão que tudo isso põe
em risco esse “fio de voz” que tenta se exprimir...

agora você, mesmo que no meio da confusão,
da tormenta, seu “fio de voz”...

... o seu discurso...
que na verdade não é um “fio de voz”


Você fala, você não hesita em gritar para
se fazer entender.

Você não tem dúvidas de que o que
você quer dizer tem um interesse...

Desde que tenha um interesse na sua opinião,
então há de fato um interesse...

Já eu...eu sou mais amedrontada...e mais...

...cheia de dúvidas em relação a isso....

Eu acho surpreendente em alguém como você,
que veio para o cinema...

... ou que teve desejo de ver filmes...

...bem antes de mim.

Numa idade mais nova, quero dizer.
Você tinha o desejo de ver essa imagem projetada...
...muito forte...

Muito mais do que ver a pintura, por exemplo...

Minha primeira experiência de cinema...

...digo isso por que quando eu era pequena
não havia televisão...

... e o cinema num país como a Suíça
era muito regulamentado...

Você tinha que ter pelo menos sete anos
para ver um desenho animado ou um filme de Chaplin...

Os filmes mais interessantes tinham restrições
de 12, 14, 16 anos, e assim por diante...

Não havia ainda Super 8, ou vídeo, claro...

Então eu me lembro que os primeiros filmes que fiz,
no tempo livre...

eu fechava as cortinas do meu quarto

eu procurava a caixa com fotos da família...

E você sabe, na época os fotógrafos davam as
fotografias numa pequena pasta...

De um lado você tinha os positivos,
e do outro você tinha os negativos....

E então eu fechava as cortinas,
e me instalava numa espécie de biblioteca...

... e pegava uma caixa de sapato na qual
eu punha uma lâmpada...

e colocava o negativo num pequeno
corte que eu fazia na caixa de sapato...

...e foi lá que eu descobri que tinha
que colocar o negativo ao contrário...

para conseguir projetar em negativo, nas
paredes do quarto, as fotos de família...

Então, você se iniciou na arte...

Não em qualquer arte, mas numa forma específica...

...que provavelmente não era considerada
de maneira alguma arte na sua família...

Então, na verdade, você “chegou” a ela
no sentido bíblico...

E isso não foi de forma alguma o meu caso.

Eu estava só passando por lá,
e então fiquei. ricarner

Eu tinha mais ou menos 20 anos...ou 18, ou 22.

Eu fazia as pessoas rirem... pessoas como
Lelouch, por exemplo...

Ou Truffaut diria mais ou menos a
mesma coisa que você:

“ Um dia, quando eu tinha quatro eu vi Chaplin,
e pronto, lá estava!”

Bom, eu vi Ben-Hur com sete anos...

...eu gostei muito, mas certamente não me
fez pensar: “pronto, vou fazer isso!”...

Foi depois, quando eu tinha 20 anos...

...quando alguém me mostrou filmes que
eu não tinha idéia que existiam... E foi Langlois...

É lá, eu acho, que minha história começa...

Mas a sua história é totalmente diferente.

Bom, mas tem esta estória de negativos de família
que eu projetava nas paredes do meu quarto...

Negativos de família...

Sim... evidentemente...

Veja só, quando eu penso nos livros de J.M. Barrie...

há alguma coisa muito infantil,
muito primitiva, nestas imagens

... que, para mim, é muito próxima
das imagens estáticas...

...que eu projetava nas paredes do quarto.

E...efetivamente, eram personagens da família
que estavam nas fotos...

Na verdade, eu estava tentando entender,
enquanto você mudava a fita cassete...

o que era exatamente essa necessidade de ver as fotos...
já que eu fazia minhas sessões com uma certa freqüência...

Era um desejo de ver coisas
relacionadas à família?

Ou um desejo de ver?
E aquelas eram as únicas imagens que tinha?

Então, havia de um lado o desejo de ver,

de fazer para mim mesma as imagens no quarto,
com as imagens que eu tinha...

Mas ao mesmo tempo havia um prazer
em ver aquelas imagens específicas...

... um desejo de tentar rever ali, nas imagens
da família, a sua inocência...

Para você continua havendo um mistério?

Eu devo dizer que sim.

Há momentos...

... muitos, na verdade, que continuo
a me divertir, como você mesma disse.

Me dê uma caixa de fósforos e um lápis
e me peça para fazer um filme com isso...

... e eu ficaria bem feliz...

Claro, mas é óbvio em você...


...essa aparente facilidade,
essa capacidade.

Como uma criança que pode fazer uma
construção inteira com alguns poucos cubos...

Há momentos em que eu sinto...

... que você gosta disso que faço,
da minha maneira de fazer as coisas....

... mas ao mesmo tempo, você diz:
“Não, não é isso...

...você deveria ser mais sério, Jean-Luc,
você também não pode...”

- Bom, o que eu quero dizer...
- Você acha que eu devo ir mais fundo nas coisas...

Sim, talvez um pouco. Quando eu digo que você
deveria ser mais sério...

... o que eu quero dizer é: “Veja,

você às vezes tem mais que um fio e
alguns fósforos para fazer um filme

e, também, que você não pode fazer
sempre a mesma construção.”

Enfim, num certo momento você deveria tentar...

Bom, era isso que eu queria dizer:
Ir além de alguma coisa.

Mas eu tenho a impressão de nunca conseguido
fazer isso.

E era o que eu tentava dizer...

...e que estava claro para mim num desses
famosos diálogos de casal...

...que eu achei mais fraco
que o resto...

...e que trazia um certa fragilidade
para o filme como um todo...
Quero dizer, nesses casais de “Detetive”

Por exemplo, no filme, eu achei que todos esses
pequenos diálogos em momentos um pouco surrealistas...

... envolvendo todos estes grupos,
essas famílias, como você diz...

...esses diferentes grupos de pessoas....

... tudo que estava lá para mostrar o que
há de errado no mundo...

... de uma forma que não nos permite
estar em paz com o mundo... com as coisas...

Aí, então, efetivamente, você demonstra uma força
e um rigor inigualáveis...

- Espere, me deixe terminar!
- Mas não foi feito para isso....

Mas depois, quando você chega
de repente a esta outra dimensão...

... e tenta mostrar que, ali também,
as coisas não vão muito bem....

.... mas que ainda há uma esperança,
há uma saída possível....

...especialmente na relação de amor
entre um homem e uma mulher...

... ali, então, de repente....

... a coisa toda fica mais tímida,
mais retraída...

Eu diria que...não...

....se eu fosse o acusado defendendo meu caso...

... por que há pessoas que poderiam
mostrar aquilo...

... e que, por suas próprias razões,
com as quais procuram estar em contato...

... não o fazem.
Você, em particular...

Me parece que...

...poderia mostrar...

...uma idéia de cinema diferente da minha.
Mas eu... eu não consigo.

Bom, então eu diria:
“Certo, façamos os trovadores....”

Mas depois, de repente há um diálogo amoroso
entre o cavaleiro e a castelã...

... e então...não se pode simplesmente escrever...

...não se pode começar a escrever do nada
uma outra “Princesse de Clèves”...

Mas na “Princesse de Clèves” não tem...
...malabaristas....

Você às vezes tem a impressão de que...

... de que o cinema é uma arte, uma instiuição,
enfim, uma série de outras coisas ao mesmo tempo...

... à qual se deve um certo respeito,
quando você trabalha? Ou não?

Por que eu tenho a impressão que isso
me incomoda muito no meu trabalho...

E acho que depois que eu conseguir me livrar
dessa idéia ridícula...

Eu poderia trabalhar mais facilmente...
Fazer um plano, depois outro...

Que idéia ridícula?

Essa idéia de que o cinema é algo a ser respeitado.
Que não se pode fazer qualquer coisa...

Eu sei que há aspectos técnicos necessários,
como acender uma luz, etc, mas...

Bom, acho que não te entendo muito bem...
...me conhecendo, e na minha frente...

...que você ainda possa pensar isso...

Se tem alguma coisa a respeitar...

Não sei...

Eu acho que... a arte...
é sair de si mesmo...

e acho que se fazemos um filho...
é uma maneira de...

E, hoje, mesmo um foguete...

Do nada, esta noite, eu tive essa idéia...
não sei se hoje há mães de adoção...

Mães que não fazem seus filhos elas mesmas,
ou então fazem clones...

Então, o que é um foguete?

Você vê um globo, e um foguete
que sai dele.

Uma criança que sai, digamos,
do ventre terreste...

A partir do momento que os seres
humanos se fizerem projetar ao espaço...

....então, as pessoas na terra não
farão mais filhos....

Ou então farão cópias, como...

Como os cristais...

Mas os humanos e os cristais são diferentes.
Tem uma variedade imensa de humanos...

Enquanto os cristais se repetem...
...e eles são perfeitos...

Se você olhar, os cristais de hoje são iguais
aos de centenas de milhares de anos atrás...
Ele se conservou em sua pureza –
Nem forma, nem conteúdo...

E eu tenho a impressão que hoje o cinema
é uma forma mais interessante que outras, mas...

É evidente que seu poder foi usurpado...

E o usurpador foi a televisão...
...é como eu vejo...

E com a aceitação de cúmplices...
que somos nós mesmos...

Outros, outros nós mesmos...
mas houve um usurpador...

O que faz com que... quando eu vejo
a TV francesa, hoje, eu sei exatamente

como se sentiu a Resistência Francesa
durante a ocupação alemã...

ou os colaboradores...

Então, respeitar o cinema, sim,
porque sou eu, porque é uma imagem de mim...

e pra mim é a única maneira
de me conhecer e de me transformar...

de poder escutar o que os outros pensam
de mim e de poder fazer existir o outro...

Senão, há uma relação muito direta...

Nós nos afastamos...

Nos afastamos do tema?

Enfim, do tema que você queria falar...

Do tema que diz “eu”, do sujeito, ou do tema em si?

Minha idéia é que o tema
é aquele que diz “eu”, o sujeito...

Quando ele diz “eu”...


Para dizer “eu”, ele faz
como no seu filme...

Era a menina que fazia
um ângulo assim?

Quando dizemos “sim”,
o ângulo se abre dessa forma

E quando dizemos “não”,
a boca fecha o ângulo...

E eles vão juntos... o “não” e o “sim”...

E o “sim”, consiste em abrir a boca....
e o “não” em fechá-la...

Quando dizemos “eu”, vemos bem que...

pra mim o sujeito é, ao mesmo tempo...

Podemos ver que o “eu” é projetado, digamos,
em direção ao outro, ou ao mundo...

Enfim, o cinema mostra isso muito bem...
mais que outras formas...

A pintura, o romance, a música,
se projetam no espaço ou no tempo...

Mas o cinema se projeta numa forma de
representação visual que as pessoas reconhecem...

Então o “eu” era projetado, expandido,
e podia se perder...

Mas a idéia podia ser reencontrada...

Havia uma espécie de metáfora...

A televisão, pelo contrário, não
pode projetar nada mais que um “nós”

E então não sabemos mais onde está o sujeito...

No cinema, ou na idéia da tela grande...

como na caverna de Platão - há a idéiade projeto, de projeção...
que em francês, pelo menos,
têm a mesma origem...

Projeto...projeção...

Sujeito...

Com a televisão, por outro lado,
você a recebe...

você a recebe e é “assujeitado”,
por assim dizer...

Como o “assujeitado” ao rei...
ou algo parecido...

Onde tudo isso desapareceu?

Estes projetos?

Estes projetos de crescer,
de se transformar em sujeitos?

Onde estão os projetos?

É difícil de dizer...

Difícil de dizer....

A língua girava no céu da boca

por Carlos Drummond de Andrade

A língua girava no céu da boca. Girava! Eram duas bocas, no céu único.O sexo desprendera-se de sua fundação, errante imprimia-nos seus traços de cobre. Eu, ela, elaeu.Os dois nos movíamos possuídos, trespassados, eleu. A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava. Consumia-nos em piscina de aniquilamento. Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino, vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós.A custo nossos corpos, içados do gelatinoso jazigo, se restituíram à consciência. O sexo reintegrou-se. A vida repontou: a vida menor.

l> boi luzeiro (ou a pega de violento, vaidoso e aviador) - cordel do fogo encantado
ulalá

28.7.06

rá!

blog de cara nova e eu de volta pra casa.

eu sou feliz demais!

24.7.06

amarelo azul. verde.

a música era high and dry do radiohead. ela já havia calçado o seu all-star amarelo. e foi enquanto se olhava no espelho que resolveu ir falar com ele. pegou o telefone e combinaram de se encontrar às 18h no banco da praça onde sempre se encontravam.

ela chegou na hora e se sentou. caiu a ficha. 'e agora? como dizer?'. com o coração desesperado e as mãos geladas, ela abaixou a cabeça. foi quando ele chegou e se sentou, calado. ela se levantou e com os olhos cheios de lágrimas disse que não conseguiria, que ele podia ir embora e saiu correndo. pegou o ônibus e entrou correndo na sua casa. se deitou na cama daquele quarto azul e sentiu o vazio doer.

'por que é tão difícil? por quê? eu só queria dizer que eu pinto o céu pra ele, de verde.'


l> todo errado - caetano e jorge mautner
o meu coração bate mais forte quando te vejo.

23.7.06

aquela

na verdade, eu me acho toda errada.
me entrego demais, sinto demais.

eu queria ser um pouquinho mais fria,
um pouquinho mais seca.

tem algum paninho aí?
brigada.

(a gente tenta ser lady, tenta.)

'neurótico, psicótico, todo errado... só pq eu quero alguém que fique 24h do meu lado'

22.7.06

Aí pelas três da tarde

por Raduan Nassar

Nesta sala atulhada de mesas, máquinas e papéis, onde invejáveis escreventes dividiram entre si o bom senso do mundo, aplicando-se em idéias claras apesar do ruído e do mormaço, seguros ao se pronunciarem sobre problemas que afligem o homem moderno (espécie da qual você, milenarmente cansado, talvez se sinta um tanto excluído), largue tudo de repente sob os olhares a sua volta, componha uma cara de louco quieto e perigoso, faça os gestos mais calmos quanto os tais escribas mais severos, dê um largo "ciao" ao trabalho do dia, assim como quem se despede da vida, e surpreenda pouco mais tarde, com sua presença em hora tão insólita, os que estiveram em casa ocupados na limpeza dos armários, que você não sabia antes como era conduzida. Convém não responder aos olhares interrogativos, deixando crescer, por instantes, a intensa expectativa que se instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto, libertando aí os pés das meias e dos sapatos, tirando a roupa do corpo como se retirasse a importância das coisas, pondo-se enfim em vestes mínimas, quem sabe até em pêlo, mas sem ferir o decoro (o seu decoro, está claro), e aceitando ao mesmo tempo, como boa verdade provisória, toda mudança de comportamento. Feito um banhista incerto, assome em seguida no trampolim do patamar e avance dois passos como se fosse beirar um salto, silenciando de vez, embaixo, o surto abafado dos comentários. Nada de grandes lances. Desça, sem pressa, degrau por degrau, sendo tolerante com o espanto (coitados!) dos pobres familiares, que cobrem a boca com a mão enquanto se comprimem ao pé da escada. Passe por eles calado, circule pela casa toda como se andasse numa praia deserta (mas sempre com a mesma cara de louco ainda não precipitado) e se achegue depois, com cuidado e ternura, junto à rede languidamente envergada entre plantas lá no terraço. Largue-se nela como quem se larga na vida, e vá ao fundo nesse mergulho: cerre as abas da rede sobre os olhos e, com um impulso do pé (já não importa em que apoio), goze a fantasia de se sentir embalado pelo mundo.

20.7.06

19.7.06

o esmalte vermelho.

e ela se olhou no espelho.

ah! o vermelho do esmalte!
sim, ele fez toda a diferença.

l> someday - the strokes
a vermelhada.

o ser ridículo.

às vezes tudo fica difícil...

e a gente bobo que é...fica com medo de parecer ridículo.

ah! mas num tem nada mais bonito que a ridiculeza.
um dia o mundo vai descobrir isso.

17.7.06

a maria.

o dia tá cinza, doendo.
ela tenta fugir de todas as verdades, mas continua tão pequenininha.

algum fortificante de maria pra vender, seu moço?!

l> delicate - damien rice
it's not that we're scared
it's just that it's delicate.

13.7.06

a vaca.

é quando você sente aquela vontade de mandar todo mundo a puta que pariu. a vontade de chutar o mundo, quebrar todos os copos, rasgar todas as cartas, demolir todos os castelos.

o tempo voa, gata. aproveite o pouco que lhe resta.
engula o copo se for preciso, mas sim... vá com classe.
com toda a classe.

l> absorva - mombojó
classuda.

10.7.06

o baile.

às vezes era melhor ficar ali, sentada.

se sentindo a menor possível ela respirou fundo.
mas não adiantou, a vontade de fugir não passava.

ela só queria .... ah! queria.

3.7.06

... III

"Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro!" o mestre.

amar é ser miguilim e dito deitados na rede sonhando com o (im)possível.

l> love buzz - nirvana.
sileciosamente a menina.

...

e tenho pra mim que ter duvidação por demais não é de bom grado, mas ah! quem ama se preocupa, quem ama é babaovo. e não é que isso é bonito?!

...

tenho pra mim que amar é escrever estrofe bonita todos os dias.