29.7.06

Você tinha o desejo de ver essa imagem projetada...
...muito forte...

Muito mais do que ver a pintura, por exemplo...

Minha primeira experiência de cinema...

...digo isso por que quando eu era pequena
não havia televisão...

... e o cinema num país como a Suíça
era muito regulamentado...

Você tinha que ter pelo menos sete anos
para ver um desenho animado ou um filme de Chaplin...

Os filmes mais interessantes tinham restrições
de 12, 14, 16 anos, e assim por diante...

Não havia ainda Super 8, ou vídeo, claro...

Então eu me lembro que os primeiros filmes que fiz,
no tempo livre...

eu fechava as cortinas do meu quarto

eu procurava a caixa com fotos da família...

E você sabe, na época os fotógrafos davam as
fotografias numa pequena pasta...

De um lado você tinha os positivos,
e do outro você tinha os negativos....

E então eu fechava as cortinas,
e me instalava numa espécie de biblioteca...

... e pegava uma caixa de sapato na qual
eu punha uma lâmpada...

e colocava o negativo num pequeno
corte que eu fazia na caixa de sapato...

...e foi lá que eu descobri que tinha
que colocar o negativo ao contrário...

para conseguir projetar em negativo, nas
paredes do quarto, as fotos de família...

Então, você se iniciou na arte...

Não em qualquer arte, mas numa forma específica...

...que provavelmente não era considerada
de maneira alguma arte na sua família...

Então, na verdade, você “chegou” a ela
no sentido bíblico...

E isso não foi de forma alguma o meu caso.

Eu estava só passando por lá,
e então fiquei. ricarner

Eu tinha mais ou menos 20 anos...ou 18, ou 22.

Eu fazia as pessoas rirem... pessoas como
Lelouch, por exemplo...

Ou Truffaut diria mais ou menos a
mesma coisa que você:

“ Um dia, quando eu tinha quatro eu vi Chaplin,
e pronto, lá estava!”

Bom, eu vi Ben-Hur com sete anos...

...eu gostei muito, mas certamente não me
fez pensar: “pronto, vou fazer isso!”...

Foi depois, quando eu tinha 20 anos...

...quando alguém me mostrou filmes que
eu não tinha idéia que existiam... E foi Langlois...

É lá, eu acho, que minha história começa...

Mas a sua história é totalmente diferente.

Bom, mas tem esta estória de negativos de família
que eu projetava nas paredes do meu quarto...

Negativos de família...

Sim... evidentemente...

Veja só, quando eu penso nos livros de J.M. Barrie...

há alguma coisa muito infantil,
muito primitiva, nestas imagens

... que, para mim, é muito próxima
das imagens estáticas...

...que eu projetava nas paredes do quarto.

E...efetivamente, eram personagens da família
que estavam nas fotos...

Na verdade, eu estava tentando entender,
enquanto você mudava a fita cassete...

o que era exatamente essa necessidade de ver as fotos...
já que eu fazia minhas sessões com uma certa freqüência...

Era um desejo de ver coisas
relacionadas à família?

Ou um desejo de ver?
E aquelas eram as únicas imagens que tinha?

Então, havia de um lado o desejo de ver,

de fazer para mim mesma as imagens no quarto,
com as imagens que eu tinha...

Mas ao mesmo tempo havia um prazer
em ver aquelas imagens específicas...

... um desejo de tentar rever ali, nas imagens
da família, a sua inocência...

Para você continua havendo um mistério?

Eu devo dizer que sim.

Há momentos...

... muitos, na verdade, que continuo
a me divertir, como você mesma disse.

Me dê uma caixa de fósforos e um lápis
e me peça para fazer um filme com isso...

... e eu ficaria bem feliz...

Claro, mas é óbvio em você...


...essa aparente facilidade,
essa capacidade.

Como uma criança que pode fazer uma
construção inteira com alguns poucos cubos...

Há momentos em que eu sinto...

... que você gosta disso que faço,
da minha maneira de fazer as coisas....

... mas ao mesmo tempo, você diz:
“Não, não é isso...

...você deveria ser mais sério, Jean-Luc,
você também não pode...”

- Bom, o que eu quero dizer...
- Você acha que eu devo ir mais fundo nas coisas...

Sim, talvez um pouco. Quando eu digo que você
deveria ser mais sério...

... o que eu quero dizer é: “Veja,

você às vezes tem mais que um fio e
alguns fósforos para fazer um filme

e, também, que você não pode fazer
sempre a mesma construção.”

Enfim, num certo momento você deveria tentar...

Bom, era isso que eu queria dizer:
Ir além de alguma coisa.

Mas eu tenho a impressão de nunca conseguido
fazer isso.

E era o que eu tentava dizer...

...e que estava claro para mim num desses
famosos diálogos de casal...

...que eu achei mais fraco
que o resto...

...e que trazia um certa fragilidade
para o filme como um todo...

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