22.11.05

além dele, elas estavam lá.

Ele estava lá. Falava, falava, falava, mas ninguém ouvia. Ninguém via. Só que ainda restava uma esperança. Pequena, talvez. E era o que lhe impulsionava a falar todos os dias. Mesmo que fosse para as paredes. Não entendia porque não havia ninguém lá. Será que ele não estava encaixado nos padrões de beleza da época? Ou será que sua voz era alta demais?

Resolveu falar baixinho. No entanto, fez isso não só para atrair pessoas – caso o problema fosse a voz alta que tinha -, mas também porque estava cansado. As poltronas na sua frente já não agüentavam mais esperar que alguém se acomodasse nelas, as luzes não viam razão para continuarem apagadas. E ele nem tinha mais argumentos para convencê-las de que era preciso esperar.

Até que um dia, alguém chegou. Quando ele viu, levou um susto e continuou a falar, mas muito mais feliz. Essa pessoa sentou na segunda poltrona da terceira fileira do lado direito. (Ufa! – disse a poltrona). E ele falava, falava, falava. Até deu uma melhorada no contraste para ver se ficava mais bonito. Mas com o decorrer do tempo, percebeu, a pessoa era cega. No entanto, ela escutava. E ele sabia disso, uma vez que ela comentava as falas dele. “Tudo o que você fala, eu levo pra casa”, ela dizia.

E ela estava lá. Todos os dias. Era a alegria das poltronas, das luzes, da tela e dele. E em um certo dia, ela chegou acompanhada. Era uma pessoa elegante. Surda-muda, mas parecia não se importar com isso. Pois falava, falava com os olhos. Vivos. As duas se sentaram diante dele e se deliciaram. Uma ouvindo, a outra vendo. Sentiam. Diferentemente, mas sentiam.

Cada dia ele era um. Cada dia provocava algo diferente nelas. Ele era histórias. Aos montes. E isso as instigava, muito. Gostavam de sentir e de depois compartilhar o que sentiram. Mesmo que fosse apenas através de toques. A surda-muda achava belo a expressão das personagens, as cenas densas e ao mesmo tempo, leves. E a cega delirava ao sentir as sensações das personagens nas falas. Era angústia, paixão, felicidade.

Mas um dia outra pessoa chegou. Essa enxergava, ouvia e falava. Ele se desesperou. Não sabia mais como se apresentar para alguém assim. Todavia, depois de pensar um pouco, percebeu que seria melhor continuar se apresentando como estava. Aquela pessoa que acabara de chegar poderia gostar, oras! E ele começou a se apresentar. No meio da apresentação, a pessoa que chegara por último, se levantou. E foi-se.
Quando isso aconteceu, ele parou. Olhou para a cega e para a surda-muda e sorriu. Elas estavam lá, pelo menos elas.


[trabalho de Of. de Leitura e Escrita relacionado com a reportagem que fiz para Apuração e Redação]

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