André Lemos
Professor Associado da Faculdade de Comunicação da UFBa.
http://andrelemos.info
Para Bernardo, que já busca o seu lugar no mundo.
Mídia – Todo artefato e processo que permite superar constrangimentos infocomunicacionais do espaço e do tempo. Mídias produzem espacialização, ação social sobre um espaço. Mídias produzem lugares.
Locativo – Categoria gramatical que exprime lugar, como “em” ou “ao lado de”, indicando a localização final ou o momento de uma ação.
Mídia Locativa. Tecnologias e serviços baseados em localização (LBT e LBS) cujos sistemas infocomunicacionais são atentos e reagem ao contexto. Ação comunicacional onde informações digitais são processadas por pessoas, objetos e lugares através de dispositivos eletrônicos, sensores e redes sem fio. Dimensão atual da cibercultura constituindo a era do “ciberespaço vazando para o mundo real” (Russel, 1999), a era da “internet das coisas”.
1. Crie situações para perder-se. O medo de perder-se é correlato ao medo de encontrar. Mas perdendo-se, encontra-se. A desorientação é uma forma de apropriação do espaço! Tudo localizar, mapear, indexar é uma morte simbólica: o medo do imponderável, do encontro com o acaso: evitar uma dimensão vital da existência. “Perder-se é um achar-se perigoso”, como diz Clarice Lispector.
2. Erros, falhas, esquecimentos de localizações e de movimentações são as únicas possibilidades de salvação da hiperracionalização atual do espaço. Só uma apropriação tática dos dispositivos, sensores e redes poderá produzir novos sentidos dos lugares. Desconfie de sua posição e de seu status de nômade. Quando sua operadora diz, “você é nômade”, desconfie. Mas saiba que o nomadismo é um traço essencial da aventura humana na terra!
3. Tudo é locativo: aprendemos, amamos, socializamos, jogamos, brigamos, festejamos, trabalhamos..., sempre de forma locativa. Não há nada fora do tempo ou do ESPAÇO. E o espaço social é o LUGAR. Em tudo, o lugar é o que importa.
4. Lugar é composto por fluxos de diversas territorializações. Ele é sempre dinâmico e, ao mesmo tempo, enraizado. Lugar é vínculo social. Lugar é fluxo de emoções, é topos, é memória e cristalização de sentimentos. Lugar não é fixação mas interrelação. Com as mídias locativas, o lugar deve ser visto como fluxo de diversas territorializações (sociocultural, imaginária, simbólica) + bancos de dados informacionais. Espaços visíveis marcados por fluxos invisíveis de informação circulando por redes invisíveis.
5. Hoje é impossível pensar os lugares sem os territórios informacionais. Mas lugares persistem sem nenhuma informatização. Não esqueça destes lugares. Pense nos contextos independentes de qualquer tecnologia.
6. Estamos na era da computação ubíqua e pervasive (Weiser), ou seja da informática em todos os lugares e em todas as coisas. Mas não há tecnologias sensíveis e nenhuma delas está atenta a contextos! Elas estão em tudo e em todos os lugares, mas não sabem o que é um contexto e nem tem capacidades de sentir o local.
7. Depois do upload para a Matrix lá em cima, a internet 1.0, agora é a vez do "download do ciberespaço", da informação nas coisas aqui em baixo, a internet 2.0. Não se trata mais do virtual lá em cima, mas do que fazer com toda essa informação das coisas e dos lugares aqui de baixo! Como nos relacionamos com as coisas e com os lugares? E agora, com essas coisas e lugares dotados de informação digital e conexão à internet? Convocamos Heidegger e Lefevbre?
8. Recuse os LBS e LBT que te colocam apenas na posição de mais um consumidor massivo. Busque produzir informação localizada que faça sentido aqui e agora. Esse é o único meio de construir lugares sociais com essa tecnologias de localização e mobilidade. Reivindique das mídias locativas as funções pós-massivas. A publicidade, o marketing e as operadoras te querem apenas como receptor passivo, massivo, embora supostamente livre, móvel e sem fronteiras. Eles te querem controlado, ativo mas consumindo, receptor pensando que está emitindo. Agir é mais. Reaja à isso.
9. Saiba que as mídias de localização não são novas. Toda mídia é, ao mesmo tempo, local e global. Preste atenção às mídias locativas analógicas que estão entre nós, pense nas anotações urbanas como os graffitis, stickers, bilhetes ou notas, preste atenção às marcas nas ruas, aos índices a sua volta, ao jornalismo local e agora hiperlocal. Aja como um detetive buscando solucionar os mistérios do espaço urbano! Busque o uso crítico dos dispositivos locativos. Lembre-se que o termo “mídia locativa” foi criado por artistas e ativistas para questionar a massificação dos LBS e LBT.
10. Use, divulgue e estimule o desenvolvimento de protocolos não-proprietários, de softwares colaborativos e de fonte aberta, de sistemas operacionais livres e participativos. A sua liberdade no mundo das mídias locativas é diretamente proporcional ao desenvolvimento da computação móvel aberta. Assim como na era do ciberespaço “lá em cima”, bem como na era da internet pingando nas coisas, lute contra o fechamento dos dispositivos, dos sistemas, dos softwares e dos contratos, como os que vigoram no atual sistema de telefonia móvel mundial. Busque, use e distribua jailbreak para todos os sistemas da mobilidade e da localização!
11. Pense que o único interesse do uso das mídias locativas é produzir sentido nos lugares. Se isso não acontece, desligue ou crie um uso que desconstrua o aparelho. Você não precisa ser preciso, você não precisa estar localizado o tempo todo, você não precisa ser sempre racional, um homo-economicus total para viver o local! Se os dispositivos ajudam, use-o, senão, desvie os usos (hacking) e, se não der mesmo assim, abandone!
12. Ache um equilíbrio entre o clique generalizado no mundo da informação e a contemplação ociosa. Desconecte e reconecte os seus dispositivos, sempre, diariamente, permanentemente. Pare, feche os olhos, abra os ouvidos e desloque-se apenas pelo pensamento, essa desterritorialização absoluta (Deleuze).
13. A questão da localização nem sempre está ligada ao espaço e ao movimento, mas ao tempo. Pense assim na duração, na viscosidade das coisas, na imobilidade, no tempo estendido. Saiba que nunca há “tempo perdido” e é impossível “matar o tempo”.
14. Independente de qualquer smartphone ou GPS, o que importa é que você já sabe onde está: "você está aqui" e "agora". Inverta a máxima de Walter Benjamin (1927) que afirmava que os “lugares foram reduzidos a pontos coloridos em um mapa”. Faça com que este pontos sejam efetivamente lugares.
15. Lute para que marcas, indicando nos mapas o que está perto de você, não evitem o seu encontro com o inusitado nem com o outro. Não se preocupe se não souber o que há por perto. Tenha consciência que, de qualquer forma, você sempre encontrará o caminho para os lugares que procura. Simples: peça informação, pergunte, procure indícios, encare o espaço como algo a ser desbravado, localmente, em contato com o mundo ao seu redor.
16. Pense nos cruzamentos, nas esquinas, nas diferenças de posicionamento; pense nas conexões, nas distâncias e nas aproximações; pense no audível e no inaudível, no visível e no invisível, no fixo e no mutável. Pense nos lugares como parte da sua existência, permanentemente em construção. Pense que você só é estando locativamente.
17. Dê sentido ao seu lugar no mundo, social, cultural e politicamente. As mídias locativas podem, através de anotações, de mapeamentos, de redes sociais móveis, de mobilizações políticas ou hedonistas e de jogos de rua, ajudar nesse processo. Mas tudo é potência e resta ainda o trabalho difícil, penoso, lento, de atualização.
18. Pense nos bairros, nos cruzamentos, nos caminhos, nos pontos históricos, nas bordas (Lynch). Sempre se pergunte como as mídias locativas podem agir em cada uma dessas dimensões: Como criar comunidade e agir politicamente (bairro)?, como proporcionar encontros (cruzamentos)?, como abrir novas veredas (caminhos)?, como criar novos marcos (pontos)?, como tensionar as fronteiras (bordas) com essas tecnologias?
19. Toda mobilidade pressupõe imobilidade e não existe e não existirá um mundo sem fronteiras. Fronteira é controle e controle pode ser liberdade. A imobilidade é uma condição da mobilidade e vice-versa. Só podemos pensar uma em relação à outra. Devemos mesmo estar imóveis para pensar a mobilidade e em movimento para pensar a inércia. Defina as suas fronteiras, tenha autonomia no controle de suas bordas, pare para se locomover e locomova-se para parar.
20. “Des-locar” não é acabar com o lugar, mas colocá-lo em perspectiva. Desloque-se e aproprie-se do urbano, escreva seu espaço com texto, imagens e sons, reúna pessoas, jogue, ocupe o espaço lá fora. As mídias locativas permitem isso. Mas se não conseguir fazer nada disso, então pense no uso e no porquê dessas tecnologias.
21. Mapas são sempre psicocartografias, nunca são neutros. Instrumentos técnicos, mnemônicos e comunicacionais, os mapas, incluindo aí os “Google Earth”, “Maps”, “Street”, e seus similares, são sempre expressões de visões tendenciosas do mundo. Eles sempre refletem estruturas de poder e servem como instrumentos para estender um domínio geopolítico. Pense na “miopia” dos mapas digitais. Compare os detalhes de Tóquio e de cidades da África nos mapas digitais para ter uma idéia dessa invisibilidade.
22. Saiba que todo mapa é uma mídia e que todo mapeamento é uma ação de comunicação, com mensagem, emissor, canal e receptor. Mapear é escrever e ler o espaço. Mapear é sempre um discurso sobre o espaço e o tempo. Mapas, como as mídias, são sempre formas de visualização, de conhecimento e de produção da realidade do mundo externo. Busque, como Borges no “Del Rigor de la Ciência”, criar mapas que sejam novos territórios na escala 1 x 1.
23. Construa mapas que desconstruam visões de mundo. Produza mapas do que não é mapeado em seu entorno, do que é invisível aos olhos bem abertos. Escape do cartesianismo, do racionalismo e das coordenadas geoespaciais. Tente usar as mídias locativas para descentralizar o poder de construção de mapas e de sentido sobre os lugares. Como diz Meyrowitz: “toda mídia é um GPS mental";
24. Não abuse das redes sociais móveis: encontrar amigos e conhecidos ao acaso pode ser mais interessante do que o tudo programado. A surpresa pode ser um ingrediente para grandes encontros. Mas pense também nas novas formas de voyeurismo, de controle, de monitoramento e de vigilância de amigos, familiares, empregados e empregadores.
25. Você é um ponto em roaming nos diversos sistemas (GPS, redes de telefonia celular, etiquetas RFID, redes Wi-Fi ou bluetooth...). Saiba que novos tipos de controle, monitoramento e vigilância (sutis, transparentes e locativos) estão cada dia mais presentes em tudo o que você faz, desde ligar o celular, acessar uma rede sem fio em um café, atualizar em mobilidade sua rede social, usar o caixa do banco, circular com uma etiqueta RFID em sua camisa ou pagar um pedágio automaticamente ao passar com o seu carro. Pense que não são apenas as câmeras de vigilância que estão te olhando!
26. Na atual fase da computação ubíqua e da internet das coisas, há os dados fornecidos, os “data”, mas há também aqueles que não são “dados”, mas captados à sua revelia e, as vezes, sem o seu conhecimento, os “capta” (Kapadia, et al.). Pense neles, nos “data” que você fornece e nos “capta” que te são roubados! Lute para proteger (agenciar) os novos territórios informacionais de onde emanam os invisíveis “data” e “capta”. Controle e defenda a sua privacidade e o seu anonimato, fundamento e garantia das democracias modernas. Crie, se for preciso, sistemas de contravigilância: sousveillance (Mann) contra a surveillance. No limite, forneça informações imprecisas ou desligue e torne-se invisível.
27. Não há apenas o panopticom do confinamento disciplinar de Foucault, mas o “controlato”, a modulação, a cifra e o “dividual” de Deleuze. As paredes não vedam mais nada. Os presos atacam da prisão. Para Pascal, o problema do homem é que ele não consegue ficar sozinho no seu quarto. Com as camadas informacionais, o que significa e qual a eficiência informacional de mandar alguém ficar de castigo, sozinho, no seu quarto?
28. Não há uso, distribuição, produção ou consumo neutro de informação e ou de tecnologias. Pense em como as mídias locativas podem te ajudar a criar e destruir seus territórios. Quais os limites dos seus territórios? Pense em maneiras criativas de contar histórias, de fazer política, de jogar e de se divertir. Essas tecnologias podem te ajudar a escrever e demarcar eletronicamente o seu espaço circundante, mas busque novas significações, novas memórias dos lugares, reforçar os vínculos sociais e o imaginário coletivo.
29. Comprometa-se em reverter a lógica dos olhares vigilantes, em produzir sons para ouvidos atentos, em criar imagens do passado atreladas ao presente. As mídias locativas só têm importância se ajudarem a produzir conteúdo que faça sentido para você e para o lugar onde vive. Não use passivamente nenhuma mídia, especialmente essas que agem sobre a sua mobilidade e localização no mundo!
30. Pense no uso da técnica (ela não é neutra), na comunicação como aproximação ao lugar e ao outro (ela não é impossível, mas improvável - Luhmann) e no seu lugar no planeta (ele é parte da sua existência). A pergunta deve ser: as mídias locativas te ajudam a encontrar o teu lugar no mundo?
Professor Associado da Faculdade de Comunicação da UFBa.
http://andrelemos.info
Para Bernardo, que já busca o seu lugar no mundo.
Mídia – Todo artefato e processo que permite superar constrangimentos infocomunicacionais do espaço e do tempo. Mídias produzem espacialização, ação social sobre um espaço. Mídias produzem lugares.
Locativo – Categoria gramatical que exprime lugar, como “em” ou “ao lado de”, indicando a localização final ou o momento de uma ação.
Mídia Locativa. Tecnologias e serviços baseados em localização (LBT e LBS) cujos sistemas infocomunicacionais são atentos e reagem ao contexto. Ação comunicacional onde informações digitais são processadas por pessoas, objetos e lugares através de dispositivos eletrônicos, sensores e redes sem fio. Dimensão atual da cibercultura constituindo a era do “ciberespaço vazando para o mundo real” (Russel, 1999), a era da “internet das coisas”.
1. Crie situações para perder-se. O medo de perder-se é correlato ao medo de encontrar. Mas perdendo-se, encontra-se. A desorientação é uma forma de apropriação do espaço! Tudo localizar, mapear, indexar é uma morte simbólica: o medo do imponderável, do encontro com o acaso: evitar uma dimensão vital da existência. “Perder-se é um achar-se perigoso”, como diz Clarice Lispector.
2. Erros, falhas, esquecimentos de localizações e de movimentações são as únicas possibilidades de salvação da hiperracionalização atual do espaço. Só uma apropriação tática dos dispositivos, sensores e redes poderá produzir novos sentidos dos lugares. Desconfie de sua posição e de seu status de nômade. Quando sua operadora diz, “você é nômade”, desconfie. Mas saiba que o nomadismo é um traço essencial da aventura humana na terra!
3. Tudo é locativo: aprendemos, amamos, socializamos, jogamos, brigamos, festejamos, trabalhamos..., sempre de forma locativa. Não há nada fora do tempo ou do ESPAÇO. E o espaço social é o LUGAR. Em tudo, o lugar é o que importa.
4. Lugar é composto por fluxos de diversas territorializações. Ele é sempre dinâmico e, ao mesmo tempo, enraizado. Lugar é vínculo social. Lugar é fluxo de emoções, é topos, é memória e cristalização de sentimentos. Lugar não é fixação mas interrelação. Com as mídias locativas, o lugar deve ser visto como fluxo de diversas territorializações (sociocultural, imaginária, simbólica) + bancos de dados informacionais. Espaços visíveis marcados por fluxos invisíveis de informação circulando por redes invisíveis.
5. Hoje é impossível pensar os lugares sem os territórios informacionais. Mas lugares persistem sem nenhuma informatização. Não esqueça destes lugares. Pense nos contextos independentes de qualquer tecnologia.
6. Estamos na era da computação ubíqua e pervasive (Weiser), ou seja da informática em todos os lugares e em todas as coisas. Mas não há tecnologias sensíveis e nenhuma delas está atenta a contextos! Elas estão em tudo e em todos os lugares, mas não sabem o que é um contexto e nem tem capacidades de sentir o local.
7. Depois do upload para a Matrix lá em cima, a internet 1.0, agora é a vez do "download do ciberespaço", da informação nas coisas aqui em baixo, a internet 2.0. Não se trata mais do virtual lá em cima, mas do que fazer com toda essa informação das coisas e dos lugares aqui de baixo! Como nos relacionamos com as coisas e com os lugares? E agora, com essas coisas e lugares dotados de informação digital e conexão à internet? Convocamos Heidegger e Lefevbre?
8. Recuse os LBS e LBT que te colocam apenas na posição de mais um consumidor massivo. Busque produzir informação localizada que faça sentido aqui e agora. Esse é o único meio de construir lugares sociais com essa tecnologias de localização e mobilidade. Reivindique das mídias locativas as funções pós-massivas. A publicidade, o marketing e as operadoras te querem apenas como receptor passivo, massivo, embora supostamente livre, móvel e sem fronteiras. Eles te querem controlado, ativo mas consumindo, receptor pensando que está emitindo. Agir é mais. Reaja à isso.
9. Saiba que as mídias de localização não são novas. Toda mídia é, ao mesmo tempo, local e global. Preste atenção às mídias locativas analógicas que estão entre nós, pense nas anotações urbanas como os graffitis, stickers, bilhetes ou notas, preste atenção às marcas nas ruas, aos índices a sua volta, ao jornalismo local e agora hiperlocal. Aja como um detetive buscando solucionar os mistérios do espaço urbano! Busque o uso crítico dos dispositivos locativos. Lembre-se que o termo “mídia locativa” foi criado por artistas e ativistas para questionar a massificação dos LBS e LBT.
10. Use, divulgue e estimule o desenvolvimento de protocolos não-proprietários, de softwares colaborativos e de fonte aberta, de sistemas operacionais livres e participativos. A sua liberdade no mundo das mídias locativas é diretamente proporcional ao desenvolvimento da computação móvel aberta. Assim como na era do ciberespaço “lá em cima”, bem como na era da internet pingando nas coisas, lute contra o fechamento dos dispositivos, dos sistemas, dos softwares e dos contratos, como os que vigoram no atual sistema de telefonia móvel mundial. Busque, use e distribua jailbreak para todos os sistemas da mobilidade e da localização!
11. Pense que o único interesse do uso das mídias locativas é produzir sentido nos lugares. Se isso não acontece, desligue ou crie um uso que desconstrua o aparelho. Você não precisa ser preciso, você não precisa estar localizado o tempo todo, você não precisa ser sempre racional, um homo-economicus total para viver o local! Se os dispositivos ajudam, use-o, senão, desvie os usos (hacking) e, se não der mesmo assim, abandone!
12. Ache um equilíbrio entre o clique generalizado no mundo da informação e a contemplação ociosa. Desconecte e reconecte os seus dispositivos, sempre, diariamente, permanentemente. Pare, feche os olhos, abra os ouvidos e desloque-se apenas pelo pensamento, essa desterritorialização absoluta (Deleuze).
13. A questão da localização nem sempre está ligada ao espaço e ao movimento, mas ao tempo. Pense assim na duração, na viscosidade das coisas, na imobilidade, no tempo estendido. Saiba que nunca há “tempo perdido” e é impossível “matar o tempo”.
14. Independente de qualquer smartphone ou GPS, o que importa é que você já sabe onde está: "você está aqui" e "agora". Inverta a máxima de Walter Benjamin (1927) que afirmava que os “lugares foram reduzidos a pontos coloridos em um mapa”. Faça com que este pontos sejam efetivamente lugares.
15. Lute para que marcas, indicando nos mapas o que está perto de você, não evitem o seu encontro com o inusitado nem com o outro. Não se preocupe se não souber o que há por perto. Tenha consciência que, de qualquer forma, você sempre encontrará o caminho para os lugares que procura. Simples: peça informação, pergunte, procure indícios, encare o espaço como algo a ser desbravado, localmente, em contato com o mundo ao seu redor.
16. Pense nos cruzamentos, nas esquinas, nas diferenças de posicionamento; pense nas conexões, nas distâncias e nas aproximações; pense no audível e no inaudível, no visível e no invisível, no fixo e no mutável. Pense nos lugares como parte da sua existência, permanentemente em construção. Pense que você só é estando locativamente.
17. Dê sentido ao seu lugar no mundo, social, cultural e politicamente. As mídias locativas podem, através de anotações, de mapeamentos, de redes sociais móveis, de mobilizações políticas ou hedonistas e de jogos de rua, ajudar nesse processo. Mas tudo é potência e resta ainda o trabalho difícil, penoso, lento, de atualização.
18. Pense nos bairros, nos cruzamentos, nos caminhos, nos pontos históricos, nas bordas (Lynch). Sempre se pergunte como as mídias locativas podem agir em cada uma dessas dimensões: Como criar comunidade e agir politicamente (bairro)?, como proporcionar encontros (cruzamentos)?, como abrir novas veredas (caminhos)?, como criar novos marcos (pontos)?, como tensionar as fronteiras (bordas) com essas tecnologias?
19. Toda mobilidade pressupõe imobilidade e não existe e não existirá um mundo sem fronteiras. Fronteira é controle e controle pode ser liberdade. A imobilidade é uma condição da mobilidade e vice-versa. Só podemos pensar uma em relação à outra. Devemos mesmo estar imóveis para pensar a mobilidade e em movimento para pensar a inércia. Defina as suas fronteiras, tenha autonomia no controle de suas bordas, pare para se locomover e locomova-se para parar.
20. “Des-locar” não é acabar com o lugar, mas colocá-lo em perspectiva. Desloque-se e aproprie-se do urbano, escreva seu espaço com texto, imagens e sons, reúna pessoas, jogue, ocupe o espaço lá fora. As mídias locativas permitem isso. Mas se não conseguir fazer nada disso, então pense no uso e no porquê dessas tecnologias.
21. Mapas são sempre psicocartografias, nunca são neutros. Instrumentos técnicos, mnemônicos e comunicacionais, os mapas, incluindo aí os “Google Earth”, “Maps”, “Street”, e seus similares, são sempre expressões de visões tendenciosas do mundo. Eles sempre refletem estruturas de poder e servem como instrumentos para estender um domínio geopolítico. Pense na “miopia” dos mapas digitais. Compare os detalhes de Tóquio e de cidades da África nos mapas digitais para ter uma idéia dessa invisibilidade.
22. Saiba que todo mapa é uma mídia e que todo mapeamento é uma ação de comunicação, com mensagem, emissor, canal e receptor. Mapear é escrever e ler o espaço. Mapear é sempre um discurso sobre o espaço e o tempo. Mapas, como as mídias, são sempre formas de visualização, de conhecimento e de produção da realidade do mundo externo. Busque, como Borges no “Del Rigor de la Ciência”, criar mapas que sejam novos territórios na escala 1 x 1.
23. Construa mapas que desconstruam visões de mundo. Produza mapas do que não é mapeado em seu entorno, do que é invisível aos olhos bem abertos. Escape do cartesianismo, do racionalismo e das coordenadas geoespaciais. Tente usar as mídias locativas para descentralizar o poder de construção de mapas e de sentido sobre os lugares. Como diz Meyrowitz: “toda mídia é um GPS mental";
24. Não abuse das redes sociais móveis: encontrar amigos e conhecidos ao acaso pode ser mais interessante do que o tudo programado. A surpresa pode ser um ingrediente para grandes encontros. Mas pense também nas novas formas de voyeurismo, de controle, de monitoramento e de vigilância de amigos, familiares, empregados e empregadores.
25. Você é um ponto em roaming nos diversos sistemas (GPS, redes de telefonia celular, etiquetas RFID, redes Wi-Fi ou bluetooth...). Saiba que novos tipos de controle, monitoramento e vigilância (sutis, transparentes e locativos) estão cada dia mais presentes em tudo o que você faz, desde ligar o celular, acessar uma rede sem fio em um café, atualizar em mobilidade sua rede social, usar o caixa do banco, circular com uma etiqueta RFID em sua camisa ou pagar um pedágio automaticamente ao passar com o seu carro. Pense que não são apenas as câmeras de vigilância que estão te olhando!
26. Na atual fase da computação ubíqua e da internet das coisas, há os dados fornecidos, os “data”, mas há também aqueles que não são “dados”, mas captados à sua revelia e, as vezes, sem o seu conhecimento, os “capta” (Kapadia, et al.). Pense neles, nos “data” que você fornece e nos “capta” que te são roubados! Lute para proteger (agenciar) os novos territórios informacionais de onde emanam os invisíveis “data” e “capta”. Controle e defenda a sua privacidade e o seu anonimato, fundamento e garantia das democracias modernas. Crie, se for preciso, sistemas de contravigilância: sousveillance (Mann) contra a surveillance. No limite, forneça informações imprecisas ou desligue e torne-se invisível.
27. Não há apenas o panopticom do confinamento disciplinar de Foucault, mas o “controlato”, a modulação, a cifra e o “dividual” de Deleuze. As paredes não vedam mais nada. Os presos atacam da prisão. Para Pascal, o problema do homem é que ele não consegue ficar sozinho no seu quarto. Com as camadas informacionais, o que significa e qual a eficiência informacional de mandar alguém ficar de castigo, sozinho, no seu quarto?
28. Não há uso, distribuição, produção ou consumo neutro de informação e ou de tecnologias. Pense em como as mídias locativas podem te ajudar a criar e destruir seus territórios. Quais os limites dos seus territórios? Pense em maneiras criativas de contar histórias, de fazer política, de jogar e de se divertir. Essas tecnologias podem te ajudar a escrever e demarcar eletronicamente o seu espaço circundante, mas busque novas significações, novas memórias dos lugares, reforçar os vínculos sociais e o imaginário coletivo.
29. Comprometa-se em reverter a lógica dos olhares vigilantes, em produzir sons para ouvidos atentos, em criar imagens do passado atreladas ao presente. As mídias locativas só têm importância se ajudarem a produzir conteúdo que faça sentido para você e para o lugar onde vive. Não use passivamente nenhuma mídia, especialmente essas que agem sobre a sua mobilidade e localização no mundo!
30. Pense no uso da técnica (ela não é neutra), na comunicação como aproximação ao lugar e ao outro (ela não é impossível, mas improvável - Luhmann) e no seu lugar no planeta (ele é parte da sua existência). A pergunta deve ser: as mídias locativas te ajudam a encontrar o teu lugar no mundo?
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