15.8.08

O fato de haver imaginado que vira a Maga era menos amargo do que a certeza de que um desejo incontrolável a tinha arrancado do fundo daquilo que costuma ser definido como subconsciência, projetando-a contra a silhueta de uma das passageiras. Até aquele momento, pensara que podia permitir-se o luxo de recordar melancolicamente certas coisas, evocando, na hora e na atmosfera adequadas, determinadas histórias, pondo-lhes fim com a mesma tranquilidade com que apagava o cigarro no cinzeiro.
(...)
As indagações no Cerro tinham tido a aparência exterior de um desencargo de consciência: encontrar, tentar explicar-se, dizer adeus para sempre. Essa tendência do homem para terminar limpamente o que faz, sem deixar arestas ou problemas para resolver... Agora, porém, compreendia (uma sombra saindo da sombra do ventilador, uma mulher com um gato) que não fora por isso que visitara o Cerro. A psicologia analítica o irritava, mas era certo: não fora por isso que visitara o Cerro. De repente, transformara-se num poço caindo infinitamente dentro de si. Ironicamente, insultava-se em plena plaza del Congreso: "E é isso que você chama procura? Pensava que era livre? Que história era aquela de Heráclito? Vamos, repita os graus da liberdade para que ria um pouco. Mas você está no fundo do poço, meu irmão".

Cortázar, Julio. O Jogo da Amarelinha. Cap. 48. P 340 - 341
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4 comentários:

paula r. disse...

às vezes esse livro me faz mal. tenho evitado.

Guilherme Avila a.k.a RODO disse...

Ahá, Pimenta, sua desaparecida!

fabs disse...

pensei em comprar o livro, mas acho quee vou imprimir seu blog! :P

paula r. disse...

me dá umas palavrinhas suas? saudade.